“Em vários aspectos, estamos falando em criar humanos renascentistas. Um bilhão de humanos renascentistas. Este será o desafio da educação para o século 21: sair de uma educação bem especializada e limitada para uma educação ampla e profunda, simultaneamente. E isso é assustador.” – Charles Fadel
O ano devia ser 1990. Lembro-me bem da área externa que ficava na lateral da entrada da casa de minha infância e do diálogo entre meus pais e meus tios:
– “O menino nunca fala, parece que o gato comeu a língua”. Ao que o tio Bila retrucou:
– “Isso é sinal de sabedoria. Deus nos fez com duas orelhas e só uma boca para poder escutar mais e falar menos.”
Se é sinal de sabedoria mesmo ou não, isso é de menor importância. O fato é que no decorrer de uma vida que já chega ao seu trigésimo quinto aniversário, tenho percebido cada vez mais o valor fundamental de uma arte tão rara nos dias de hoje, e que ao mesmo tempo forma todo o alicerce para depositarmos qualquer esperança em um futuro melhor: a arte de ouvir profundamente.
Explorada com exaustão desde as tradições budistas do Tibet e imprescindível ao processo de autoconhecimento desde a Grécia antiga de Sócrates, a virtude de escutar, observar e intuir atinge o seu auge na figura do homo sapiens renascentista que aflorou entre meados do século XIV e o final do século XVI. Os Leonardos e Michelangelos que, muito antes de artistas plásticos e escultores eram cientistas, arquitetos, engenheiros e anatomistas, se tornaram desde então um modelo de competência exemplar para projetos que exigem profunda exploração, transdiciplinaridade e inovação. ¹
E o que toda essa história de ouvir, observar e intuir tem a ver com os nossos dias de hoje? Simples, é só olharmos para as principais competências para o século 21 divulgadas pelo World Economic Forum em 2016: ²
- Resolução de Problemas Complexos
- Pensamento Crítico
- Criatividade
- Gestão de Pessoas
- Trabalho em Equipe
- Inteligência Emocional
- Tomada de Decisão
- Orientação para Servir
- Negociação
- Flexibilidade Cognitiva
Após refletir um pouco sobre cada um dos itens acima, convido o leitor a indagar se o mesmo acredita ser possível desenvolver qualquer uma destas competências sem o pré requisito de estar aberto ao outro e disposto a ouvir com profundidade. Até mesmo talentos como “Pensamento Crítico” e “Inteligência Emocional”, que aparentam ser atividades exclusivamente auto-reflexivas, dependem de uma leitura precisa do meio e da situação em que se está inserido.
Em uma entrevista recente concedida à plataforma 99U, Jessica Orkin da SYPartners definiu a arte de ouvir com profundidade como “uma quietude intencional do ego e do desejo de confirmar padrões do passado ou soluções pré-existentes”. A presidente da consultoria que já apoiou grandes lideranças a chegarem a uma versão mais vibrante de si mesmos – entre elas o próprio Howard Schultz da franquia global de cafeterias Starbucks – ainda acrescenta: “O resultado é uma abertura para um mundo de informação muito mais rico e menos óbvio – a energia de uma sala, as conexões entre pessoas, as coisas não ditas, as vozes ausentes numa conversa, idéias que se sobressaltam e se chocam em vez de se encaixar. Quando estou ouvindo em profundidade, começo a sentir o que está por baixo da superfície das coisas, e muitas vezes uma compreensão diferente do “problema” emerge, dando origem a formas radicalmente diferentes de avançar.” ³
As razões para cultivarmos uma tal habilidade são mais do que conhecidas, já que no nosso século enfrentamos desafios monumentais como a mudança climática, a ainda crescente desigualdade e uma instabilidade financeira e política globais que ameaçam seriamente as chances de felicidade e bem-estar da humanidade. Neste cenário, a inovação é vista como a grande protagonista e salvadora da história, porém não devemos nos esquecer que não é o volume de ideias muito menos a velocidade da evolução tecnológica quem poderá trazer uma luz no fim do túnel para a nossa era, mas sim uma maior conexão e senso de presença com o nosso meio conjuntamente a uma disposição genuína de dialogar.
A nossa grande esperança e fonte de otimismo com o trabalho que fazemos na Jumpers está nos empreendedores e lideranças do futuro. Que estes atendam aos seus chamados e se transformem nos “humanos renascentistas” de que o nosso século tanto necessita.
José Maurício da Costa – Designer de Negócios
Designer com uma década de experiência, conduziu a modelagem dos mais variados negócios. Movido por encontrar singularidades nas áreas da cultura, sociedade e economia: linkedin.com/dacostajm
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¹ “Em uma carta ao governante de Milão, listando seus pontos fortes, enviada no início da década de 1480, Leonardo mencionou 10 habilidades diferentes – projetar pontes, túneis, carruagens e catapultas, por exemplo – antes de acrescentar no final que ele também podia pintar.” Bill Gates: What This Legendary Artist Can Teach Us About Innovation. https://time.com/5520552/bill-gates-da-vinci-innovation/
² World Economic Forum: The Future of Jobs.http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf
³ Jessica Orkin: How Deep Listening Can Help You Be More Creative.https://99u.adobe.com/articles/62878/how-deep-listening-can-help-you-be-more-creative